Enquanto Prometeu se aproximava com os seus torturadores, lembro-me de ter usado primeiro lentes de grande angular, depois de médio alcance e de rapidamente introduzir a ideia de amarrar os braços ondulantes dos torturadores e de Prometeu: este filmado com uma série de lentes de tele-objectiva. Uma ideia que talvez ainda utilize noutros filmes. Essa cena concreta era para ter sido filmada num exterior em Malibu, na Califórnia. Depois seguir-se-ia o longo discurso de Prometeu, a chegada do coro: coro que se transformaria mais tarde em arranha-céus de Nova Iorque a ondular. Tenho a impressão de que à medida que me deslocava de lugar para lugar, também as minhas ideias começavam a viajar e o conteúdo do meu filme a sofrer umas voltas barrocas. Muito mais tarde, quando me candidatei à minha primeira bolsa da Fundação Guggenheim, que não recebi, tive a ideia de fazer o filme na Europa. Cada sequência devia ser filmada num país diferente, e o protagonista devia ser sempre o mesmo, sem nunca mudar. A forma como isso é conseguido na versão final de The Illiac Passion, deve ser deixada à interpretação dos estudandes do cinema enquanto cinema [film as film].

Sem perder de vista a ideia do coro e dos arranha-céus a ondular, pensei acerca da chegada de Poseidon dentro de uma banheira. Talvez tivesse visto nessa altura os primeiros filmes franceses de vanguarda; ou tivesse sido envenenado pelos mal-entendidos que são impostos aos estudantes pelos ambientes a que são submetidos de modo tão irreflectido, e dos quais apenas se libertam daí a vinte anos, se estiverem para aí virados. E no entanto, enquanto recuperam, o desafio da sua arte respira e ganha corpo!

Enquanto aguardei, ano após ano, para começar o filme, pensei muitas vezes que estava errado; também acreditei muitas vezes, e seriamente, nas palavras do Prometeu de Ésquilo, e nas suas palavras no final do meu primeiro guião, antes do mergulho da câmara no mar, com Prometeu a gritar ao infernal trânsito do mundo, “Olhem para mim, errei!”. Apesar de aguardar, por vezes sabia que não estava preparado para o filme. Devia esperar. Tinha de esperar; e não apenas por razões económicas: não me sentia preparado. O próprio guião da minha vida não podia ainda acolher a tentativa. Ainda não tinha caminhado o suficiente pelos trilhos gelados da Existência. Outros filmes tinham de ser feitos; filmes que por vezes não chegaram a ver a luz do dia a não ser num flash privado, depois de ter identificado o jacto de sangue que assinalou e formou um arco invisível que pairou sobre um período determinado. Mesmo na Grécia, durante os quatro anos de ansiedade que durou a pré-produção de Serenity, pensei no projecto de Prometeu Agrilhoado; mas, mais uma vez, resolvi adiá-lo; Poseidon ficou na sua banheira no mar, as mulheres marinhas de Delvaux (as Oceânidas) revolviam-se, e Hermes aproximou-se em obediência a Zeus!

A 1 de Janeiro de 1964, no escritório da primeira Film-makers Cooperative, em 414 Park Avenue South, em Nova Iorque, encontrei, acho que já de noite, Leslie Trumbull, sentado à sua secretária. Leslie com a sua atitude, agora famosa, de absoluta compreensão pelas dificuldades de um cineasta, sugeriu que telefonássemos à Associated Press para perguntar se sabiam ou se tinham alguma notícia do festival de cinema Knokke-Le-Zoute. Telefonei. Ouvi, e descrente escutei o homem a dizer do outro lado: “Twice a Man, dois mil dólares…”

Muito contente, esperei a confirmação; que chegou quando Jonas [Mekas] telefonou de Bruxelas, considerando, no entanto, que devido ao affair Flaming Creatures, aqueles que tinham recebido prémios em dinheiro deviam recusá-los. P. Adams Sitney declarou, de forma dramática: “Não! Não!” Jonas concordou e passado um mês recebi os meus dois mil dólares.

Um dia, por volta dessa altura, estava a montar o original de The Death of Hemingway, em 35mm, um negativo a cores, quando Jack Smith espreitou por cima do meu ombro. Parecia uma personagem saída de uma pintura de James Ensor e sugeriu muito seriamente que eu deixasse o meu emprego na Marboro Books e apenas fizesse filmes. Quando protestei, perguntando como podia viver, ele deu-me uma pista: vivendo. Deixei a Marboro Books e com os dois mil dólares, vivi, esperei e procurei as vinte e oito personagens para o filme que viria a tornar-se em The Illiac Passion.